quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Inclusão de Pessoas com deficiência no mercado de trabalho - Uma entrevista com Sidney Cirino

Para quem nunca ouviu falar – PCD quer dizer  Pessoa com deficiência , novo termo adotado para substituir o antigo PNE ( pessoa com necessidade especial). Apesar de não tratar-se de um assunto novo já que a  lei 8213/91 ou lei das cotas,  como é mais conhecida, versa de quase duas décadas,  este é um  tema que ainda rende bastante discussão. Por esse motivo, quis chamar para trocar algumas idéias conosco um amigo que eu considero como um case de sucesso no mercado de trabalho,e  que por acaso , também é um PCD. O nome dele é Sidney Cirino,  têm 31 anos, é cadeirante e trabalha     na  área de tecnologia numa multi nacional na cidade de São Paulo.

Sidney, gostaria de começar perguntando  o que você pensa sobre a mudança da sigla PNE para PCD, e se para você essa alteração impacta  positivamente em alguma coisa?

Pessoalmente eu não gosto desses dois termos., principalmente no mundo corporativo por se tratarem de uma nomenclatura muito geral para problemas relativamente específicos.  
Quem não tem algum tipo de deficiência? Uma pessoa que usa oculos não tem uma deficiencia (leve, mas deficiência)? Todo mundo tem algum tipo de limitação e a maioria delas é possível aprender a conviver. Não vejo nada de errado ou de deselegante falar que fulano é deficiente físico e usa cadeira de rodas ou que beltrano é deficiente visual total/parcial. Simples e direto como falaríamos que Fulano não é fluente em inglês ou não sabe usar excel.
Sobre o termo PNE eu já tive a oportunidade de participar de alguns debates sobre o termo. É muito comum se falar em PNE em centros de reabilitação, onde há muitos familiares e acompanhantes com os deficientes e por afeição ouve-se muito que “meu filhinho é especial” ou “há necessidade de adaptação no local” etc. Juntando tudo é facil de formar o PNE até como forma de motivação para quem esta com a auto estima baixa (o que é comum em alguns pacientes ).
Apesar de não gostar desses termos, também não faço campanha contra porque para a maioria das pessoas esse não é um assunto trivial. Certa vez, estava na rua me esforçando para subir em um ônibus não adaptado. Quando um senhor que estava no telefone falou o seguinte para a pessoa no outro lado da linha: “Amor, eu te ligo daqui a pouco que vou ajudar um aleijado a subir no onibus”. Apesar do termo usado o cara usou um tom respeitoso comigo e junto com outra pessoa ele me ajudou, enquanto umas 10 pessoas na fila ficaram apenas olhando. Não fiquei ofendido com a espontaneidade desse senhor, mas já me ofendi certa vez que fui chamado de “especial” quando insinuaram que eu passei no vestibular por causa da política de cota, quando na verdade passei por esforço (tirei a terceira melhor nota do curso ). Qualquer que seja o termo, é muito mais uma questão de respeito e contexto.

Conta para gente que cursos você fez e qual deles considera ter sido decisivo para sua empregabilidade?

Tive que parar a faculdade (tecnologia em automação industrial) porque não estava conseguindo conciliar os estudos, o trabalho e me cuidar. Falta um ano , talvez um e meio. Fiz curso técnico em eletrônica em um colégio particular e o ensino básico em escola comum, nunca frequentei escolas especiais.

Você falou que se sentiu ofendido quando acharam que você ingressou no ensino superior através da  lei das cotas,  qual sua opinião sobre a lei das cotas para inserção do PCD no mercado de trabalho ?

Acho uma pena essa lei precisar existir, tanto para deficientes como para minorias étnicas no caso do ingresso ao ensino superior. Mas acho um mal necessário pois apesar de se falar muito em direito de ir e vir, de inclusão social, na prática as coisas só começaram a melhorar quando as empresas começaram a sentir o desconforto no bolso para começarem a se adaptar e receber todo tipo de profissional. Forçar esse tipo de situação por iniciativa de leis e decretos é válido para tirar as pessoas de suas regiões de conforto.

Explica um pouco  melhor, por que a lei das cotas é “um mal necessário” – o que você quer dizer com isso?

Porque a lei sozinha também é deficiente. Não basta criar uma lei e achar que os problemas vão se resolver sozinhos porque fica parecendo que  tudo é  responsabilidade das empresas, quando também é responsabilidade do cidadão com deficiência e seus familiares, bem como dos órgãos públicos.
O deficiente deve buscar meios para se qualificar. Já vi muitos colegas deficientes serem demitidos por questões de desempenho.
As famílias dos deficientes precisam incentivá-lo a ter uma vida plena e não super protegê-lo como se eles fossem viver mais do que o deficiente e estar 100% do tempo ao lado para ajudá-lo.
Por parte do Governo – mais relevante do que criar leis mágicas como a de cotas seria criar condições para que os deficientes tivessem igualdade de condições de freqüentar escolas públicas de qualidade e acessíveis (observe as escolas estaduais, pelo menos aqui em SP é raro ver uma escola sem escadas), além disso transporte digno e acessível . As prefeituras deveriam multar calçadas irregulares, vias com desnível. Os semáforos deveriam levar em consideração quem precisa de mais tempo na travessia, etc. O Governo federal poderia incentivar pesquisas na área de biomecânica  ou facilitar financiamentos de equipamentos como: aparelhos auditivos, próteses, órteses ou mesmo reformas em moradias de deficientes em moldes parecidos com os usados para financiar a casa própria.Enfim, a lei das cotas é bem vinda e tem ajudado muito, porem não deixa de ser uma lei para tapar um buraco.

Qual empresa que você trabalha atualmente? Quais são suas atividades?

Trabalho na HP do Brasil, na área de tecnologia de informação, sou Pre Vendas na área de servidores e armazenamento. Bem, o que eu faço lá? As soluções dessa área são muito caras ou muito complexas, a equipe que trabalho ajuda o pessoal de vendas com os aspectos técnicos à melhor traduzir a necessidade dos clientes. Também ajudamos empresas parceiras com projetos mais complicados ou com transferência de expertise. 

Houve dificuldade para se inserir no mercado de trabalho, quais ?

Foi bem difícil no começo. Ainda adolescente eu já queria trabalhar mas na ocasião não tive apoio da minha família, que era super protetora , com certa razão porque as dificuldades eram maiores que hoje. No final das contas foi bom, pois consegui me dedicar aos estudos. Como não tinha dinheiro para pagar cursos extras, eu me enfurnava na biblioteca e nos laboratórios e ficava estudando, as vezes mais horas do que a duração normal das aulas. Pois bem, chegou um ponto em que eu estava qualificado mas na hora de procurar emprego, não conseguia o primeiro estágio porque não achava um local com acesso para cadeira de rodas, ou as vezes tinha acesso mas o transporte seria muito desgastante. Então me inscrevi no CIEE, que tinha um programa de acessibilidade, me cadastrei na fila geral , pois queria concorrer de igual para igual , afinal sempre confiei no meu potencial. Em abril de 99 eu fui chamado mais de 10 vezes pelo sistema automático, e em todas elas não deu certo, por causa de uma escada, da acessibilidade do transporte público ou por causa da acessibilidade da infraestrutura da empresa, muitas vezes com uma porta estreita demais que não poderia ser reformada.

Caramba, como você fez para driblar tantos obstáculos?

Insisti muito.  Continuei estudando, comecei a procurar feiras de tecnologia, revistas técnicas, assistir  muitos seminários gratuitos, dessa forma apesar de não ter experiência eu também não ficava defasado e sempre tinha assunto nas conversas e entrevistas. 
Eu dependia muito de transporte público, então mesmo não sendo adaptado usava na medida do possível, e sempre reclamava para o lugar certo quando havia algum problema. Não adianta nada xingar o motorista, é preciso ligar na empresa em que ele trabalha com os dados da ocorrência. Fazer isso uma vez perdida, não adianta. Porém quando se começa a abrir dois ou três protocolos formais de reclamação por semana, não tem como não ser ouvido. Já fui bater em porta de empresa que tinha calçadas esburacadas, algumas vezes fui botado para fora, em outras me ignoraram solenemente, mas algumas reformaram as calçadas. É cansativo fazer isso, é desgastante, a gente fica com fama de chato, mas isso ajuda a mudar as coisas. As pessoas deixam barato ou não fazem valer sua cidadania.Para mim o 
negócio é não ficar conformado 

Imagina só se você desse de " cara" com alguma autoridade pública, o que falaria para ela?

Depende da autoridade. Tem muita "autoridade"  incompetente ou desleixada, sem falar em corrupta. No Brasil não faltam leis, mas sim mecanismos para que elas funcionem. A Lei Maria da Penha ou o estatuto do menor são iniciativas nobres, mas que soam como piadas com tanta impunidade que tem por ai. Minha sugestão seria que o Estado fosse administrado de forma mais corporativa e profissional e os funcionários públicos, sejam os concursados ou os eleitos, fossem responsabilizados por suas omissões, como qualquer trabalhador honesto.
O descaso com deficientes físicos é só mais um dentre tantos outros mais graves, mas se formos falar disso sairemos do escopo dessa entrevista.

Para encerrar com chave de ouro, que dica você deixa para quem é portador de deficiência e quer se colocar no mercado de trabalho?

Manter-se sempre atualizado – é imprescindível. Gostaria de aproveitar e tocar no assunto que tange o benefício do governo federal para aposentar determinados tipos de deficiência, não entrarei nos detalhes, mas sei que muitos deficientes sentem-se atraídos por essa opção porque é uma chance  de garantir um salário mínimo no final do mês. Minha dica é que quem tem direito a esse benefício ou conhece alguém que o tenha, pense bem nos pros e contras . Enquanto o beneficio concede  um salário mínimo, quem encara o mercado tem a oportunidade de ganhar mais, além de  se socializar, conhecer coisas novas e aos poucos perceber que quanto mais deficientes estiverem nas ruas, mais expostas estarão nossas dificuldades e essa é a melhor forma de fazermos pressão para mudar  e melhorar muita coisa em nossa sociedade.

Gostaria de encerrar esse post de hoje expondo meus agradecimentos ao amigo Sidney Cirino ( Sido), pela entrevista e sobretudo por inspirar a  mim e aos leitores desse blog através de seu exemplo, garra, coragem  e exercício de cidadania. 
Obrigada gente por acompanhar, nos encontramos na próxima postagem ! 

3 comentários:

  1. Amiga linda : excelente tema! Amei esse Post! Li com super atenção, por me interessar como profissional e como pessoa sobre o assunto. Quanto ao Sidney parabéns pelo exemplo de pessoa que você é! Deus o abençoe sempre a estimular pessoas a irem ALÉM. Independente de serem PCD ou PNE, todas são pessoas, capazes, desde de que acreditem em si mesmas!
    Um forte abraço e muito obrigada pela contribuição. www.cassandrasilveira.wordpress.com

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  2. Obrigada !!! É uma postagem que desde de dezembro quero muito fazer... graças a Deus saiu e estou super contente por está compartilhando com todos essa super fera que é o Sido.
    Beijos

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  3. Sidney, Parabéns por vc ser uma pessoa otimista, otimo exemplo a quem acha que nao tem nada na vida,

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